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FRATELI TUTTI: UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO

Somos todos irmãos ou a fraternidade e a amizade social não passam de um devaneio? Dizer que não somos todos irmãos e que somos, antes, inimigos uns dos outros e que deveríamos acentuar e acirrar a inimizade, implodiria a vida societária e só um irresponsável poderia assim pensar. E o Papa não é um irresponsável. Mas também não é um idealista a tal ponto de pensar que já vivemos integralmente a fraternidade. Não. A fraternidade é um ideário e para concretizá-la é indispensável enfrentar alguns desafios.


Desafio que vem dos limites das fronteiras:

Se aceitarmos a ideia de que somos todos irmãos e tomarmos o migrante como “o próximo”, então, abre-se um leque de complexos desafios que o Papa não se cansa de abordar. Melhor seria não ter migrações e cada um viver dignamente no chão em que nasceu. Contudo, as migrações são uma realidade e enquanto houver migração o desafio é dar condições ao migrante para “realizar-se plenamente como pessoa”. Para mostrar que a relação com os migrantes não deve ser de passividade, mas de ativa atenção, Papa Francisco põe em evidência quatro verbos que instigam quatro ações em favor dos migrantes: acolher, proteger, promover e integrar. Nada de assistencialismo paternalista esporádico que dá a falsa impressão de solidariedade. Não. O Papa é realista, objetivo e propositivo. Ele não fica nas abstrações ou no conceitual, mas enumera ações efetivas que se aplicadas, realmente, possibilitam ao migrante viver uma vida digna. Que ações seriam essas? O Papa nos diz: “Incrementar e simplificar a concessão de vistos...abrir corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis, oferecer um alojamento adequado e decente, garantir a segurança pessoal e o acesso ao serviços essências, assegurar uma adequada assistência consular, o direito de manter sempre consigo os documentos pessoais de identidade, um acesso imparcial à justiça, a possibilidade de abrir contas bancárias e a garantia do necessário para a subsistência vital, dar-lhe liberdade de movimento e possibilidade de trabalhar, proteger os menores e assegurar-lhes o acesso regular à educação, prever programas de custódia temporária ou acolhimento, garantir a liberdade religiosa... favorecer a reunificação familiar e preparar as comunidades locais para os processos de integração” (FT 130). Como se vê, a lista é longa e objetiva, sem devaneios. São ações que, minimamente, garantem algum direito de cidadania sem o qual não há vida humana digna. Quão grande é o desafio da migração!


O desafio do intercâmbio e dom recíproco:

O desafio aqui é enxergar o outro, o migrante, não como inimigo, mas como alguém portador de histórias, culturas e valores que podem enriquecer o habitante local e, na troca, ambos saírem melhores e mais humanizados. Isso não é automático, mas é um desafio a ser perseguido. Assim como num jardim a diversidade constitui a beleza, nas relações humanas, a diversidade cultural faz a riqueza. O Papa se pergunta o que seria do EUA sem a migração e a mistura de culturas? O que seria da Argentina sem os italianos e Judeus? Daria para dizer o mesmo do Brasil e, sobretudo, do Rio Grande do Sul. O que seríamos sem os negros, alemães, italianos, portugueses etc? Certamente, econômica e culturalmente, mais pobres. Contudo, o Papa vai além do utilitarismo que está no substrato de toda argumentação do benefício mútuo e da riqueza advindo das partes em relação. Chama atenção para a gratuidade, isto é, “a capacidade de fazer algumas coisas simplesmente porque são boas em si mesmas, sem preocupação com ganhos ou recompensas pessoais”(FT 139). O espírito de gratuidade permite colher o outro, o estrangeiro sem esperar nada em troca. O Papa nesse aspecto é duro e direto: “Há países que pretendem apenas receber cientistas e investidores” (FT 139). E conclui com uma crítica aos nacionalismos fechados que concebem os migrantes como usurpadores e os pobres como perigosos ou inúteis, mas são generosos com os “poderosos e investidores”. Não haverá futuro para uma cultura assim.


Desafio do local e universal:

Por fim, o desafio de sintetizar o local com o universal, a terra em que se nasce e se vive, com o global. Ambos, o local e o universal, são grandezas legítimas e que merecem ser levadas à serio na construção da fraternidade e da amizade social. O local sem o universal é fechamento, mesmice, repetição, cotidianidade mesquinha e redutiva. Mas, o universal sem o local é alma sem corpo, desenraizamento e universalismo abstrato. O saudável é evitar os extremos sem excluir os polos em tensão. A tensão entre o pensar globalmente e agir localmente é o que faz o universal concreto se expressar eficazmente. Papa Francisco fala do “sabor local e horizonte universal” (FT 143-146). De fato, síntese maior não há. O sabor vem dos sentidos do corpo e o corpo ocupa um lugar, um chão, uma pátria, uma cultura e aí nasce, cresce e se desenvolve. É no local que acontece os amores, as amizades, as lutas e as experiências mais significativas na constituição da própria identidade. Contudo, sem horizonte universal o bairrismo toma conta, a cultura do condomínio e do gueto separatista se instala e perdesse a abertura ao outro, indispensável para a construção da subjetividade alargada de alma e de coração. Numa metáfora, sem o universal a vida estaria mais para a vida da galinha do que para vida da águia. O que vale para os indivíduos vale, também, para os Estados Nacionais que precisam encontrar um caminho de integração e solidariedade, defendendo os valores mais altos que garantem o bem comum e a dignidade humana, respeitando as diversidades.


Papa Francisco é um exímio dialético e, em suas mãos, nada se perde, nada sobra e nada falta. Para ele o todo é maior do que a soma das partes e tudo está conectado. Tudo ele integra e eleva a um nível superior. Em tempos de reducionismos e relativismos, lê-lo é respirar ar puro da montanha e olhar com olhos de coruja.


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